A jornalista Carla Vilhena trabalha com jornalismo a mais de 30 anos, fez uma linda homenagem a Xuxa Meneghel, contando em seu site (http://carlavilhena.com.br) uma de suas visões sobre a apresentadora, e a lição que ela deixou para ela.
Acompanhe na íntegra:
Quem viveu os anos de 1980 e 1990 sabe quem foi Xuxa Meneghel. Naquela época eu, recém-chegada à profissão, aprendi uma regra do Jornalismo: havia um grupo extremamente seleto, composto por pouquíssimas pessoas, que nunca era creditado. Explico: os créditos vão logo abaixo do entrevistado, nos telejornais, fotografias, etc, dizendo normalmente o nome e a profissão do sujeito. Exemplo: José da Silva, advogado.
Pois esse citado grupo seletíssimo de personalidades prescindia do crédito. Não só isso: não era permitido creditá-los quando aparecessem. Agora você vai entender o que eu estou falando: você nunca viu a imagem do papa, qualquer papa, com o nome escrito embaixo. Apenas se houver uma frase que descreva a imagem, como “O papa Francisco reza missa na praia de Copacabana”. Mas nunca: “Francisco, papa”.
Se ligou? Além do papa, formavam o seleto grupo : o presidente do Brasil (qualquer um), Pelé, Roberto Carlos… e XUXA. Sim, a chamada Rainha dos Baixinhos tinha status de rainha de verdade. Não era apenas um cargo inventado pelos fãs. Ela era realmente uma daquelas pessoas que TODO MUNDO conhecia, a menos que tivesse passado todo o século XX em Marte.
Essa introdução é para dar ideia do que representava a super mega pop star Xuxa nos anos oitenta, quando cursei a faculdade. Para pagar as mensalidades, eu costumava trabalhar em eventos como free-lancer. Um desses eventos foi o prêmio anual oferecido pela Rádio Globo, que acontecia no antigo teatro do Scala Rio, no Leblon, ao lado de uma comunidade de prédios populares com alta densidade demográfica.
À festa, compareciam todos os principais artistas da época: Fábio Junior, Roberto Carlos e muitos outros. A multidão, engrossada pelos habitantes dos prédios, comparecia em peso na hora da entrada e da saída, aguardando a passagem dos artistas. Fãs gritavam, choravam, se espremiam, na expectativa de um vislumbre – que fosse – de seu cantor preferido.
Foi então, na hora da saída, que eu e uma amiga que havia trabalhado comigo presenciamos uma cena inacreditável. Enquanto a maioria dos artistas, na pressa de deixar o local, deixava a garagem a bordo de seus carros com motorista, vidros escuros e fechados, quase atropelando a multidão, a superpoderosa Rainha dos Baixinhos surgiu, linda e louríssima, ao volante de uma rara Mercedes esporte branca, saindo bem devagar… com Marlene Mattos, sua empresária, no banco ao lado.
Foi um pega pra capar geral. A multidão enlouqueceu. O povo cercou o carro por todos os lados, só faltou galgar o capô. Na época não havia celulares, portanto, nada de câmeras. Apenas aqueles pedacinhos de papel estendidos na direção da musa, pedindo autógrafos, mãos e braços balançando desesperadamente, buscando um segundo de atenção.
Sua majestade não se intimidou. Enquanto Marlene permanecia de braços cruzados, olhando fixo para a frente, Xuxa baixou o vidro do carro e, pacientemente, começou a dar autógrafos. Um por um. Havia, por baixo, duas centenas de pessoas. Durante mais de 30 minutos, ela atendeu cada um dos fãs que estavam na porta do teatro, até que toda a multidão estivesse satisfeita.
Eu não acreditava no que via. Nunca mais esqueci a cena de Xuxa, a intangível Xuxa, dando autógrafos para pessoas simples, pobres, humildes, encantadas. Vi a paciência, o sorriso no rosto, a dedicação da rainha para com seus súditos. Incrível. Contando hoje, depois de tantos anos, não sei se os mais jovens podem imaginar o que Xuxa representava, nem o que aquilo significou para mim.
Mais tarde, já como apresentadora, conheci todo tipo de pessoa. Gente que apresentava jornal e não cumprimentava a própria equipe de trabalho. Gente que usava do próprio prestígio para humilhar as pessoas. Gente com maquiador próprio num camarim exclusivo, dentro do qual eu não era admitida, nem quando era substituta na apresentação do jornal. Gente que fazia questão de olhar os inferiores de cima para baixo, para “pô-los em seu devido lugar”. Não guardo nada na memória, nem bom, nem ruim, de nenhum deles.
Mas nunca esqueci a lição de Xuxa. Os verdadeiramente grandes, os que merecem o sucesso que têm, sabem que ele é devido àquela gente simples, humilde, que espera de seu ídolo uma atenção, um carinho, uma palavra, um afago. O ídolo de verdade se aproxima do fã, não como se ele fosse um inimigo ou um estorvo, mas como quem sabe que cada uma daquelas pessoas colocou um tijolinho no castelo da sua vitória.
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