Com um olhar atento, nenhum detalhe passa despercebido. Xuxa palpita da escolha da equipe do ensaio de fotos ao figurino. E não tem a ver com ataque de estrelismo, mesmo carregando a alcunha de Rainha. É que ela gosta de se envolver em todas as etapas do processo. A mente não para, por isso sugestões não faltam. Ainda mais se for para fazer o que é fora do habitual. E que bom que as ideias certeiras vêm.
Sabendo disso, não é de se estranhar que a loura esteja aproveitando o isolamento social, que tem seguido à risca como prevenção contra o coronavírus, para trabalhar em diferentes projetos. Anunciou que está fazendo um livro de memórias, tem escrito livros infantis, negocia um filme sobre sua vida e uma série documental sobre a última turnê como cantora. Fora isso, existem burburinhos sobre um novo “Xuxa só para baixinhos”...
— Eu sempre trabalhei muito e ficar em casa é bom, gostoso, mas eu preciso mexer minha cabeça senão piro.
Todos os planos, mesmo sem previsão de lançamento, já viraram notícia. Vindo de Maria da Graça Meneghel não poderia ser diferente. Com 41 anos de carreira, a gaúcha já está acostumada. A questão é quando o tititi passa a ser sobre suas escolhas pessoais ou simplesmente são críticas sem fundamento. “Xuxa está careca, está velha, fez plástica, não fez, engordou, é má influência, interesseira”. Chatice que não acaba.
— Põe chato nisso! E tem outra palavra mais forte... (risos) Às vezes, tenho vontade de mandar todo mundo passear. Mas respiro fundo e penso: “falo ou não falo?”. Não falo.
O que não quer dizer que no auge dos 57 anos Xuxa tenha resolvido ficar calada. Só está preferindo gastar a saliva com o que importa. Recentemente, defendeu o youtuber Felipe Neto das acusações (falsas) de pedofilia. Publicou nas redes sociais a bandeira da luta antifascista, a favor da democracia. E, durante uma live, pediu que a amiga Ivete Sangalo se manifestasse sobre a escolha de Regina Duarte como secretária especial da Cultura (a atriz ficou por dois meses e meio no cargo, e a cantora baiana nunca se manifestou).
— Quem sou eu para cobrar algo? É a real situação do país que está cobrando de nós brasileiros. Quem se cala e não se posiciona consente, como se estivesse tudo bem, mas não está.
É com essa visão que Xuxa bateu um papo franco com a Canal Extra. São reflexões sobre o momento em que vivemos, sobre as relações bem construídas com a família, os aprendizados (ou, pelo menos, as tentativas) ao longo da vida, e sem deixar de pensar no futuro.
As pessoas a sua volta sempre destacam esse seu jeito “olho no olho” para conversar. Com esses olhares, você é do tipo que consegue “ler” mais do que as respostas das pessoas?
Quem me dera! Se fosse assim, eu não seria tão enganada (risos). Acho que é só o meu jeito mesmo, mas assusta. Na Argentina, diziam: “Cuidado com la mirada de la rubia”.
Os seus comentários andam viralizando. Você sempre foi “diretona” assim? Ou foi a maturidade que a deixou mais “desencanada”?
Sim, sempre fui. Inclusive, no “Xou da Xuxa” (programa na Rede Globo que estreou em 1986), tinha uma vinheta dizendo: “Precisava ser tão sincera?”. Claro que com a idade os defeitos tendem a piorar, ou seja, aos 60 anos, acho que vou ter a metade dos meus amigos (risos). Estou brincando, meus amigos sabem que sou assim e ponto.
E como se sente ao virar meme?
Consigo rir de 99% deles. Já devo ter me chateado com algum, mas esqueço.
Ao mesmo tempo, é comum ver as críticas contra você a acompanhando. Ao escrever um livro infantil com temática LGBT, você se sente preparada para os comentários da ala mais conservadora dos seus fãs?
Vou falar de uma criança que quer tanto ser amada que Deus lhe dá duas mães. Acredito que a única linguagem que Deus entende é a do amor e, se as pessoas me criticarem por isso, é porque o Deus delas não é amor. O meu não é preconceituoso, não tem cor, tamanho, sexo ou conta bancária. O mais lindo mandamento diz: “Amai o próximo como a ti mesmo”. Não é “amai o próximo de outro sexo”.
Outro projeto em que você anda trabalhando na quarentena é o seu livro de memórias. Antes dele, você tinha o costume de revisitar o seu passado?
Na verdade, não sou de olhar para trás. Sempre esqueço esse “histórico de conquistas e sucessos”. Se pensar nisso o tempo todo, meu ego pode me engolir. Quando olho para o passado, vejo coisas incríveis e algumas truncadas: pessoas que me enganaram, usaram, roubaram e, às vezes, mexer nisso dói. Foram muitas. Me cobro por ter acreditado muito nos outros. E parece que não aprendo. Vivo deixando, criando monstrinhos que querem falar por mim, viver minha vida ou mesmo achar que são as pessoas mais importantes no meu trabalho.
E qual o momento mais prazeroso de reviver? Amores antigos terão espaço no livro?
O nascimento da Sasha, histórias com minha mãe, minha infância... Amores passados passaram. O mais importante é o que vivo hoje. Mas, sim, terão as linhas, porque fizeram parte da minha história.
Fala-se ainda sobre a produção de um filme sobre sua vida, a última turnê como cantora... Você temeu ficar “esquecida” no tempo? Pensa em aposentadoria?
Não sei se as pessoas vão querer me ver muito velha na frente das câmeras, mas, se eu vou conseguir ficar no meu cantinho, é outra coisa, porque nunca parei de trabalhar desde os meus 16 anos. Tenho muito o que fazer ainda. Depois, vou amar ficar num sítio com meu velho (Junno Andrade) e meus bichos, perto da natureza, namorando e esperando meus netos para brincar.
Você tem se permitido viver o ócio? Também perde tempo vendo “coisa ruim” na TV?
Não gosto de parar. E assisti a muita coisa: filmes, seriados, documentários... Se assisti a coisa ruim? Siiiim (risos). E fui até o fim para ver se melhorava.
Você se cobra pelo sucesso? Se coloca metas, por exemplo, para tudo que está planejando?
Nunca me cobrei, não seria agora que faria isso. Ter meta é bom, mas não a coloco a minha frente ou a de quem amo. No trabalho, continuo me metendo em tudo. É um processo gostoso, criativo. Nunca liguei para audiência, deixo isso para diretores, equipe, quem estiver ligado nessa parte.
O que a fama já a impediu de fazer?
Há tanta coisa que conquistei e ganhei, que isso compensa o que não pude ou não posso fazer. Mas tenho vontade de sair pelo mundo com uma mochila nas costas. Eu e o Ju, claro, descobrindo o que nem posso te dizer, já que ainda não conheço.
Você faz terapia?
Não. Tentei quando meus pais se separaram e não gostei da experiência. Desabafo com quem estiver ao meu alcance: Ju (Junno), Sa (Sasha), algumas poucas amigas que me aceitam do jeito que eu sou... Mas, na boa, eu falo muito com Deus e acho que é ele quem mais me escuta.
Qual o sentimento que mais bate neste período de isolamento?
Sinto um desespero pelas vidas que estão se perdendo, pelos seus familiares, pelas pessoas que parecem não acreditar nisso tudo. Medo do nosso país, da loucura das pessoas, de ver o jornal. Estamos vivendo uma guerra política, em uma das nossas maiores crises. Não precisávamos de homofóbicos, racistas, machistas nas ruas. Nem ver tanta roubalheira. Não precisávamos passar por tudo isso assim. Não sou de esquerda, direita, ou centrão. Sou uma brasileira que tem medo das pessoas armadas e loucas que estão por aí.
Fala-se que a quarentena é um momento para tirarmos aprendizados. Você acredita? Tem aprendido algo?
Acho que muitas pessoas não vão aprender nada, não só na quarentena, mas na vida toda. Essas acham que já sabem de tudo. Têm outras que estão aprendendo a lidar com a perda, a dor, e isso é muito forte. Há aqueles que estão aprendendo a valorizar as pequenas coisas, o trabalho de quem nunca valorizou, mas sempre esteve ali. Eu? Sei lá se já valorizava, mas hoje eu vejo como preciso das pessoas perto de mim. Quero mudar de casa, não preciso viver num lugar tão grande, que dá tanto trabalho. Quero mudar logo. Vi como é importante poder andar na rua, dar um beijo, um abraço. Puxa, que saudade de receber o carinho das pessoas que chegavam perto de mim para tirar uma foto... Que saudade!
Saindo do lado mais filosófico e indo para o prático, vi que andou cozinhando mais... É um aprendizado da quarentena?
Depois que virei vegana, há quase três anos, estou cozinhando. Claro que na pandemia bem mais. Aliás, estou concluindo que meu cardápio é bem pequeno. Preciso me arriscar e fazer coisas novas. Estou indo devagar, mas estou indo.
Neste ensaio, a Canal Extra quis brincar com essas diferentes Xuxas que existem (ou percebemos) em você. Qual foi a sua preferida?
Acho que brincar com a Xuxa dos anos 80 e a de hoje é sempre divertido, porque mexe com a memória afetiva das pessoas. Quando coloquei a peruca de chuquinha já veio: “Nossa... É a Xuxa!”.
Sabemos que é inevitável, mas envelhecer a incomoda?
Acho uma m... As pessoas querem ver o que existiu no passado, porém meu presente e meu futuro são esses: ficar cada vez mais sem colágeno, sem o mesmo corpo e rosto. Não quero pirar e fazer coisas das quais vou me arrepender depois. Até penso em algum dia fazer plástica, mas para mim, não para o povo. Muitos ídolos morreram cedo e se eternizaram lindos. Eu não bebo, não fumo, não me drogo... De overdose eu não vou morrer. Se não acontecer nada anormal, levando uma vida saudável e vegana, vou viver muito. Vou na hora que Deus quiser e espero que respeitem a vontade dele e a minha de não me matar para viver “linda” ou jovem na memória do público.
Não posso deixar de perguntar sobre a Maria (a segunda mãe). Como está se sentindo por ter que cuidar dela?
Ela está muito frágil. Tenho medo que ela sofra. Estamos nos cuidando muito por ela, somos bem rígidos aqui em casa com máscaras, álcool em gel, banhos... Estou com medo de perdê-la.
Você teme a morte?
Não. Só espero estar mais preparada e com mais informações para passar a minha filha para que ela não sofra.
Falando em Sasha, ela parece bem mais “relax”, enquanto você é elétrica. Como funciona a relação desses lados opostos?
Pegamos sol, jogamos buraco, vemos filmes, fazemos massagem juntas. Eu amo cuidar dela, dormir cheirando o seu cangote. Sasha é leonina, é o sol, é muito inteligente. Eu sou ariana e, quando bato de frente, é para mostrar algo como “o mundo não é bem assim”. Só que ela é meu orgulho, aprende rápido com a vida. E, quando não aprender, estarei aqui para dar colo e tentar ajudar no que puder. Não é assim que mãe faz?
Você sempre fala da sua mãe, por ela ter lhe dado uma confiança que nem mesmo você sabia que tinha. E o que você tenta passar para Sasha?
Se eu conseguir ser 10% do que a Aldinha foi para mim, serei uma ótima mãe para minha filha. O que eu tenho passado para Sasha? Nossa... Já são mais de 20 anos que eu estou tentando passar boas coisas: ela não fuma, não bebe, é vegana, ama Deus, está formada, é uma pessoa carinhosa com todos e tenho certeza de que continuará me dando muito orgulho.
À medida que sua filha vai crescendo… Você já pensou em aumentar a família? Adotar uma criança, por exemplo? O que Junno acha do assunto?
Já pensamos sobre isso, sim, mas ele tem a Luluka (Luana), que está com 16 anos. Então tem muita coisa com o que se preocupar ainda, já que Junno é um pai muito presente e apaixonado. Na verdade, eu estou vivendo o momento de querer netos... Acho que não vamos buscar uma criança, mas se ela aparecer e nos apaixonarmos por ela, vocês vão saber.
O que Sasha acha de você já pedir netos?
Ela diz: “Calma, mãe, tudo no tempo de Deus”.
Qual se tornou o programa favorito do casal, você e Junno, na quarentena?
Vixe! Não posso falar (risos). Mas o que o povo pode saber é que tudo, T-U-D-O com ele é mais gostoso. Ele me diverte, é cheiroso, gostoso, carinhoso e quer me ver bem e feliz.
E como anda a libido do casal?
Deixarei na imaginação. O que posso dizer é que minha pele está ótima!
Créditos
Reportagem: Leonardo Ribeiro
Fotos: Brunno Rangel
Direção criativa: Ma Feitosa
Produção de moda: Marcelo Cavalcante
Beleza: Edduh Moraes
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